sexta-feira, 11 de maio de 2012
Miguel de Castro - Poeta do corpo, do sexo e das mulheres“Escrevo à base de emoção”, confessa Miguel de Castro, o poeta que este sábado (6 de Abril) lança o livro “Os Sonetos”, no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal (17.30). O autor fixa textos que reflectem “experiências”, de toda uma vida de enamoramento e paixões. “Sou muito ligado à mulher, ao feminino, às coisas do amor e do sexo” , vai contando Miguel de Castro, enquanto despeja açúcar na chávena de café fumegante. A mulher, corrijo, as “mulheres” têm sido a cafeína de uma escrita torrente, desenfreada, por vezes, avassaladora. “Despertei para a poesia com as mulheres”, diz o autor, que encontrou nas "Folhas Caídas" de Almeida Garret o motor de arranque para as conquistas amorosas e abundante produção literária.
“Cada rapariga que namorava fazia-lhe um poema”
, conta, enquanto vai dissolvendo o açúcar na negra beberagem. É o lado
carnal que leva Miguel de Castro a passar para o papel as palavras e as frases
que vai construindo “de cabeça”. “Os Sonetos”, obra apresentada
por Viriato Soromenho Marques e António Cabrita, mantém-se fiel a um longo
percurso do “poeta pagão”, ou “poeta do corpo”
como gosta de se definir.
Miguel de Castro cedo se deu conta que a inspiração o
surpreendia nos momentos mais variados. “Um olhar, um cheiro, um
paladar, qualquer coisa pode desencadear um processo criativo”, relata
o autor. Sempre teve a “mania de ler”, talvez por isso, o pai
nunca se esquecesse de lhe trazer um “mimo” quando se ausentava
em viagem pelo país. Trazia-lhe sempre um “livro de contos, uma
novela”, que devorava com uma tremenda satisfação.
Aos poucos começou a dar-se conta de que as palavras, as frases
se juntavam na “cabeça” com uma facilidade e uma desenvoltura
inquietantes. Já adolescente, Miguel Castro deita o
“desassossego” no papel e, por intermédio de um amigo, é
apresentado a Sebastião da Gama. Já antes, os colegas de trabalho da EDP lhe
reconheciam o “jeito” para a escrita e demonstravam espanto
pela quantidade de poesias que escrevia em papéis avulso. Foi por isso que ficou
também apelidado de “poeta das dúzias”.
Era, na altura, uma “coisa tosca”, um
“campo a desbravar”, recorda.
Confrontado com os versos do poeta auto-didacta, Sebastião da
Gama de imediato atestou a qualidade da escrita – “Ele gostou muito dos
meus versos”, lembra. A partir daí, o poeta da Arrábida que
identificara uma “sensibilidade poética” em Miguel de Castro,
tornou-se um “guia de interesses” e foi “abrindo
portas”. Tornou-se um ritual diário a entrega de “um monte de
poemas” para que Sebastião da Gama orientasse a escrita
“torrencial”.
Em determinado dia havia de passar pela cabeça do autor
arranjar um pseudónimo para dar cara à poesia. Jasmim Rodrigues da Silva não lhe
parecia “nome de guerra”, daí que tenha sugerido a Sebastião da
Gama um nome invulgar - Jarosil Claus. O autor explica: “Já retirado a
Jasmin, Ro de Rodrigues e Sil emprestado a Silva”. Então como surge o
apelido Claus? O autor justifica-se dizendo que se tratava do nome de um
“sabonete que havia no Porto”. A proposta não passou no crivo
de Sebastião da Gama que logo lhe disse “o homem passou-se da
cabeça”. O mesmo Sebastião ditou que “Jarosil jamais, serás
Miguel de Castro”. E assim ficou!
Agora que do café sobra um contorno vago no bordo da chávena, e
cristais de açúcar lá no fundo, Miguel de Castro reconhece que tudo começou como
uma “brincadeira” mas havia de se consolidar. Na essência,
continua a ser o mesmo “lamechas”, “pinga-amor”, “lacrimejante”,
como todos os poetas. Falta acrescentar, “namoradeiro”
das palavras e dos afectos que continua a prender em forma de verso ou de sonata
– “Tenho-os todos na cabeça”, diz.
Todos, não acredito, disse de imediato, em tom de provocação.
Miguel de Castro afasta o boné, alisa o cabelo grisalho e destapa a memória –
“Este escrevi tinha 19 anos: Hoje é sábado / Tenho dinheiro, cigarros e
alegria / Tenho sonhos orgíacos e delírios! / Não há ninguém mais feliz do que
eu / Tenho vinho, música, mulheres, / Céus, astros e luas. / Hoje vou deambular
pelas ruas, / Cantar serenatas, / Arriscar a vida por nada / Morrer, sem glória,
em qualquer luta! / Ou, então, quando vier a madrugada, / Dar o braço a uma
prostituta, / E bêbado, / Aos tombos, / A granel, / Dormir um sono profundo, /
No bordel”.
Livros editados
Fruto Verde, 1950
Mansarda, 1953 Terral, 1990 A Sinfonia do Cú, 1990 Os Sonetos, 2002 |
Ricardo Nunes - 05-04-2002http://www.setubalnarede.pt/content/index.php?action=articlesDetailFo&rec=3119 |
segunda-feira, 7 de maio de 2012
Iniciação
Fernando Pessoa
Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a morte,
... E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.
Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa.
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.
Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.
Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não estás morto, entre ciprestes.
Neófito, não há morte.
Pois não há sono no mundo.
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a morte,
... E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.
Mas na Estalagem do Assombro
Tiram-te os Anjos a capa.
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.
Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.
Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não estás morto, entre ciprestes.
Neófito, não há morte.
The Tiger - de William Blake
Tiger, tiger, burning bright,
In the forest of the night,
What immortal hand or eye
... Could frame thy fearful symmetry?
In what distant deeps or skies
Burnt the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?
What the hand dare seize the fire?
And what shoulder, and what art,
Could twist the sinews of thy heart?
When thy heart began to beat,
What dread hand forged thy dread feet?
What the hammer? What the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil? What dread grasp
Dared its deadly terrors clasp?
When the stars threw down their spears
And watered heaven with their tears,
Did He smile his work to see?
Did He who made the lamb make thee?
Tiger, tiger, burning bright,
In the forest of the night,
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry?
------------------------------------------------
"O tigre"
(Tradução de Adriano Nunes)
Tigre! Tigre! Grã clarão
Nas selvas da escuridão,
Qu' olho ou mão imortal v'ria
Criar tua horrível simetria?
Em quais abismos ou céus
Queima o fogo d'olhos teus?
Com que asas ousou se alçar?
Que mão tal fogo ousou pegar?
E qual ombro, & quais artes
Torceram do teu peito as partes?
E ao bater do coração,
Que terríveis pé ou mão?
Que martelo? Que corrente?
Que forno fez tua mente?
Que bigorna? Impulso qual
Forjou teu horror letal?
Quand' astros lançam raios seus,
Cobrindo de pranto os céus,
Sorriu por tal obra ver?
Quem te fez, a ovelha fez viver?
Tigre! Tigre! Grã clarão
Nas selvas da escuridão,
Qu' olho ou mão imortal v'ria
Criar tua horrível simetria?
Tiger, tiger, burning bright,
In the forest of the night,
What immortal hand or eye
... Could frame thy fearful symmetry?
In what distant deeps or skies
Burnt the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?
What the hand dare seize the fire?
And what shoulder, and what art,
Could twist the sinews of thy heart?
When thy heart began to beat,
What dread hand forged thy dread feet?
What the hammer? What the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil? What dread grasp
Dared its deadly terrors clasp?
When the stars threw down their spears
And watered heaven with their tears,
Did He smile his work to see?
Did He who made the lamb make thee?
Tiger, tiger, burning bright,
In the forest of the night,
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry?
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"O tigre"
(Tradução de Adriano Nunes)
Tigre! Tigre! Grã clarão
Nas selvas da escuridão,
Qu' olho ou mão imortal v'ria
Criar tua horrível simetria?
Em quais abismos ou céus
Queima o fogo d'olhos teus?
Com que asas ousou se alçar?
Que mão tal fogo ousou pegar?
E qual ombro, & quais artes
Torceram do teu peito as partes?
E ao bater do coração,
Que terríveis pé ou mão?
Que martelo? Que corrente?
Que forno fez tua mente?
Que bigorna? Impulso qual
Forjou teu horror letal?
Quand' astros lançam raios seus,
Cobrindo de pranto os céus,
Sorriu por tal obra ver?
Quem te fez, a ovelha fez viver?
Tigre! Tigre! Grã clarão
Nas selvas da escuridão,
Qu' olho ou mão imortal v'ria
Criar tua horrível simetria?
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