terça-feira, 15 de março de 2011

A filosofia portuguesa e o prazer de conversar - Metáfora

«Não sei se o Pedro já reparou em que os nossos grandes poetas e filósofos se caracterizam, por um dos seus lados, pelo prazer de conversar.

Sampaio Bruno escreveu como quem conversa, donde é fácil deduzir de uma angelogia a sua concepção filosófica d’A Ideia de Deus.

Álvaro conversa com Bergson, com Domingos Monteiro, com José Régio em numerosas numinosas páginas. E escreveu: nunca estamos sós, estamos sempre acompanhados.

Teixeira de Pascoaes deixou a poesia onde conversava consigo próprio, com os deuses, com as sombras e pôs-se a dialogar com os Santos, com os Heróis, com os Sábios.

Leonardo Coimbra privilegia a Relação, a fraternidade das mónadas; explica o mal como o corte das relações.

A comunicação universal dos espíritos e das almas constitui o fim da humanidade, o fim, já se sabe, no sentido aristotélico.

O Pedro Sinde vê os seres que formam a natureza, não cantando, mas eles mesmos como cantos. Não tocam o violino, são o som do violino, mas para quem não dispõe do sentido do ritmo, vê só um corpo de madeira inerte que nem sequer lhe recorda um corpo de mulher.
Todavia, estamos sozinhos. O lugar do diálogo é nas montanhas.»

[Carta de António Telmo para Pedro Sinde, 27.4.2008]


Metáfora

«Voltou de novo o prazer de ler o que não compreendo, assim do mesmo modo que gostaríamos de olhar o sol, mas só podemos ver os seus pálidos reflexos nas sombras da nossa alma. O Sol da Inteligência, a Luz da Luz.

O mundo que nos é acessível é o das metáforas. A sabedoria é uma longa paciência e, se não há quem nos obrigue a ‘trabalhar’, ficamos pelos pequenos esforços.

Então, sustidos na ‘beleza sem par da metáfora’ (Bruno) é possível cumprir o preceito iniciático ‘nullus dies sine linea’*. Assim evitamos o caos da alma, a indiferença, a prostração. A medusa que nos olha de dentro é bem mais perigosa do que a que nos olha de fora. Valha-nos Santo Anselmo e Deus que é só quem sabe!»

* Nem um dia sem escrever ou ler uma linha: António Telmo usava este dito continuamente – era uma herança do seu mestre Álvaro Ribeiro – mas no sentido de ‘escrever’.


[Carta de António Telmo para Pedro Sinde, 17.1.2009]