quinta-feira, 5 de abril de 2012

ÉSQUILO "Oresteia" a morte de Ifigénia

Agamémnon: a morte de Ifigénia

A Oresteia, trilogia da qual o Agamémnon é a primeira tragédia, foi pela primeira vez representada em 458 a.C., no festival das Dionísias Urbanas, e ganhou o primeiro prémio.
Cena: Diante do palácio de Argos. A guerra longínqua dura há dez anos. O Coro, um grupo de anciãos, entra em cena. Caminham lentamente, apoiados em bastões. Apreensivos com o exército e o seu rei, Agamémnon, cantam sobre o sucedido à partida no mais longo trecho lírico, e um dos mais belos, de toda a tragédia clássica.
O exército grego reuniu-se em Áulis. Aguardam ventos favoráveis para poderem partir para Tróia. O tempo passa, devorando as provisões, trazendo o ócio, instigando ao motim. Uma estranha visão surge então aos reis: duas águias descem do céu diante deles e devoram uma lebre com a sua ninhada no ventre. O adivinho do exército interpreta a visão como um prodígio enviado pela deusa Ártemis. Isto é o que se segue (vv. 184-249):

Coro
ant. 3
E então o mais velho dos comandantes[1]
.....das naus dos Aqueus,
não recriminando adivinho algum,
conspirou com a sorte que o feria,
enquanto a demora devorava as provisões
.....e oprimia a multidão aqueia,
acampada defronte de Cálcis[2],
nas costas de Áulis, onde a rebentação ruge continuamente;

estr. 4
os ventos que do Estrímon[3] sopravam
um tédio nefasto, a fome, a má ancoragem,
o desvario dos homens, não poupando naus nem amarras,
tornavam a espera duplamente longa,
com o desgaste consumindo
.....a flor dos Argivos; e quando um outro
remédio mais pesado
do que a amarga tempestade o adivinho proferiu
aos primeiros do exército
.....declarando Ártemis responsável, então, batendo com os ceptros
.....no solo, os Atridas
.....não contiveram as lágrimas,

ant. 4
e o mais velho dos chefes ergueu a voz para falar:
«Sorte pesada é não obedecer,
pesada também se esquartejar a minha filha, jóia do meu lar,
manchando as mãos paternas
na corrente do sangue de uma donzela imolada
.....junto ao altar. Qual destas está isenta de mal?
Como me hei-de eu tornar um desertor das naus
falhando para com a aliança?
Pois o sacrifício
.....que acalme os ventos à custa do sangue de uma virgem desejam
.....com desejo extremo, mas proíbe-o
.....a Justiça. Oxalá tudo corra pelo melhor!»

estr. 5
Mas quando a si ajustou o jugo da necessidade,
do espírito soprando um vento de mudança ímpio,
impuro, sacrílego, então
mudou o curso do pensamento para a maior das audácias –
pois torna audazes os mortais a de vergonhosos conselhos,
a miserável demência, princípio da desgraça. E assim ousou
tornar-se o sacrificador
.....da filha como auxílio
.....a uma guerra vingadora de uma mulher
e sacrifício preliminar à partida das naus.

ant. 5
Das súplicas e apelos ao pai
não fizeram caso, nem da virginal idade,
os juízes enamorados pela guerra.
Aos servos o pai, depois da prece, ordenou
que, como uma cabra, sobre o altar
– à que em torno das suas vestes com todo o coração se lançava – inclinada para a frente
a erguessem
.....e que a bela proa da boca
.....selassem como vigia
contra alguma palavra de maldição para a casa

estr. 6
por meio da força de um freio e da violência emudecedora.
Quando já o seu vestido tingido de açafrão pendia para o solo,
de seus olhos lançava ainda a cada um dos sacrificadores um dardo
piedoso, destacando-se como numa pintura, desejando
chamá-los pelo nome, pois outrora muitas vezes
nos hospitaleiros banquetes de seu pai
havia para eles cantado, a virgem que com voz pura a libação
.....terceira[4] do pai
.....amado com um péan[5] amoravelmente honrava.

ant. 6
O que se seguiu não vi nem o vou contar,
mas as artes de Calcas não ficam por cumprir.

 
Notas:
[1] Agamémnon.
[2] A expedição grega reuniu-se em Áulis, na costa da Beócia. Diante de Áulis, do outro lado do Euripo, ficava a cidade de Cálcis.
[3] Rio da Trácia.
[4] A terceira libação dos banquetes era em honra de Zeus Sôtêr (Salvador), tratava-se de um ritual com o fim de afastar os males e atrair prosperidade.
 
 
 
[5] Em geral, o péan era um hino em louvor de um deus olímpico (normalmente Apolo).

PEDRA - Charles Simic

Charles Simic
                                                         Michiel Sweerts, Rapaz de Turbante

PEDRA
Entrar dentro de uma pedra
Seria esse o meu caminho.
Deixar outrem tornar-se pombo
Ou rilhar com dentes de tigre.
Sou feliz por ser uma pedra.

Por fora, a pedra é um enigma:
Ninguém sabe como o desvendar.
Dentro, porém, deve ser fresca e silenciosa
Mesmo que uma vaca a calque com todo o seu volume,
Mesmo que uma criança a atire para um rio;
A pedra afunda-se, lenta, imperturbavelmente
Até ao fundo do leito
Onde os peixes vêm bater na pedra
E escutar.

Eu vi as faíscas voando
Quando duas pedras são friccionadas,
Talvez então não seja escuro, apesar de tudo, lá dentro;
Talvez exista uma lua brilhando
Desde algures, como se por trás de uma colina –
Apenas a luz suficiente para distinguir
Os estranhos escritos, as cartas astrais
Nas paredes de dentro.

(1971)