sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Arsenii Tarkovskii, três poemas



Cresce a névoa da vista – esse poder,
Duas luras em diamante invisíveis;
Surdo pela tempestade de outrora
E o bafo da casa de meu pai;
Nós cegos numa trança de músculos
Como bois velhos no campo arado;
E na noite não brilham mais
As asas do meu dorso.





                                     Íamos, sem saber para onde,
                          Perseguidos por miragens de cidades
                          Derrotadas construídas no milagre,
                          Hortelã pimenta aos nossos pés,
                          As aves acompanhando-nos o voo,
                          E no rio os peixes à procura da nascente;
                          O céu, a nós se abrindo.



os primeiros encontros

cada momento passado juntos
era uma celebração, uma Epifania,
nós os dois sozinhos no mundo.
tu, tão audaz, mais leve que uma asa,
descias numa vertigem a escada
a dois e dois, arrastando-me
através de húmidos lilases, aos teus domínios
do outro lado, passando o espelho.


arsenii tarkovskii


8 ìcones
versão de paulo da costa domingos
assírio & alvim

1987


F. Hayez






















Três poemas de Avelino de Sousa

3 Poemas


Sigo as tuas pegadas pela praia
em busca de teu corpo de azevinho.
És como um búzio onde se ouve o mar,
como a onda que alaga e se retrai,
como um vinho novo que se bebe.
Sigo tuas pegadas, mas não te encontro.
És como a rocha aonde a vaga cai
e rebenta numa maré de espuma.
Ou te sumiste ou não mereço ter-te.
Por isso, agora há só o grito das gaivotas
e a luz tardia desmaiada             :bruma

Avelino de Sousa, Poemas, 2005.






















Disseste-me em surdina ao meu ouvido
palavras que não ouso revelar.
Todo o segredo havido entre nós dois
só o partilharemos com o mar.
Disseste-me palavras nunca ouvidas,
palavras de desejo, ciciadas,
que só os amantes pronunciam
e se fundem no som alto das vagas.
O que me disseste e o que eu te disse
p'ra sempre o haveremos de calar.
A não ser que outros amantes as escutem
na rebentação larga do mar.
 Avelino de Sousa, In Poemas, 2005



Ias na proa da barca, singela.
Teu olhar vogava à flor das águas
e tua mão tocava-as, distraída.
Eu era teu barqueiro.
Fazia deslizar os remos, silencioso.
Mas já atearas em meu corpo
o rastilho do amor. E como a mariposa,
era atraído à tua chama intensa.
Só me falta arder no teu incêndio.

Avelino de Sousa, Poemas, Ed. de Autor, 2005

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Poema




Na minha língua fala a montanha
quando oliveiras amadurecem
os seus frutos negros, mediterrânicos
Quando a cor rósea das cerejas

maduras incendeia o horizonte 
Quando, no verão, estalam os cardos
sob os passos ligeiros dos amantes
que, à hora da sesta, se desnudam

em tufos de feno Na minha língua  
há ainda estes trilhos de cabras
pó e seixos rolando sob os pés
descalços duma criança que vive

e grita, o puro animal feliz,
em alegres correrias e jogos
despreocupados Na minha língua
moram as palavras dessa criança

quando a noite acorda e cobre
de infinito e estrelas ínfimas
e esperança os seus olhos muito
abertos e povoados de anjos

e de palavras a nenhum exército
ou senhor entregues Na minha língua
fala a montanha que há em mim
e me chama, retinta de verdade

Poema de P. M. Carregã

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014