sexta-feira, 2 de março de 2012

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

in: http://www.orgialiteraria.org/2011/04/o-pajem-formidavel-dos-indicios-alberto_19.html
 
Quem é Alberto de Lacerda?

Por vezes devíamos falar dos poetas num eterno presente. Não por motivos de canhestra apresentação ocular, ou sequer por uma redutora explanação para informação dos aflitos, mas porque há sensibilidades e vozes que exigem a própria existência para lá das dificuldades lineares do Tempo.

Perguntarmos, nesta altura de crise geral, sobre a essência de um poeta maior, levar-nos-á a descobrir o que por aí sobra dos seus versos e depois ao salto inevitável até à plataforma segura mas desconhecida da sua singular obra. Não nos deteremos aqui no insípido tratamento em vida do autor, nem no igualmente tasteless tratamento da sua memória que muitos lhe conferiram. Basta dizer que a nossa intenção é puramente prática: neste momento Alberto de Lacerda é um livro. Porque, embora vários e importantes constem na sua bibliografia e outros se desenhem sobre o horizonte crescente, o certo é que o poeta vive hoje somente em dois livros, um deles uma importante evocação do escritor, por Luís Amorim de Sousa, em tudo relevante para o tema em apreço. Contudo, tentemos descobrir quem é agora Alberto de Lacerda a partir do outro livro publicado o ano passado, um volume de poesia original, intitulado O Pajem Formidável dos Indícios (Assírio & Alvim, 2010).

Esta edição de um primeiro volume do que se anuncia como uma das mais vibrantes colectâneas de originais post mortem das últimas décadas da poesia portuguesa é obra de um poeta em sentido lato, algo que irá das suas vivências entre Boston e Londres, dos caminhos felizes que esta escrita fisicamente percorreu Londres-Lisboa aos que temporalmente viveram entre os idos 1995 e 1997 até aos leitores de hoje.
São poemas que não escondem nada mas apontam muito, no sentido mais zen que se possa pensar quanto ao gesto. A partir das palavras e versos que os compõem, chega-se a um lugar novo se olharmos com os cegos olhos de dentro.

Põe-se a pergunta de se a "secura substantiva" de Alberto de Lacerda em O Pajem… será decorrente da sua condição de exilado (geográfico, político, social, económico, sexual, etc.), da paixão sempre confessada e exercida pela pintura, da longa vivência entre anglófonos ou, no caso deste livro em concreto, de uma plácida aceitação da velhice. E a resposta dá-se em parte lendo toda a obra, para a qual alegremente vai quem ler esta obra póstuma, o que me parece ser a mais nobre virtude de um tomo e de um problema deste tipo. Há algo de pungente em observar a vida de um livro após a morte de um autor. O branco da capa desta edição da Assírio & Alvim toma assim um sabor oriental, a que até o pormenor do título a vermelho confere sensação. Indícios.

Alberto de Lacerda deixou-nos razoavelmente preparados para publicação alguns livros de poesia, de entre os quais este Pajem... é o primeiro a ser dado à estampa, bem como imensos dispersos (reputadamente mais mil poemas inéditos). Sentimo-nos algo descansados pelo facto de o espólio estar entregue a uma instituição de eleição, a Fundação Mário Soares, e pelo seu amigo Luís Amorim de Sousa a quem poderemos continuar a agradecer a organização de tão importante obra.

por n. fonseca
O Pajem Formidável dos Indícios
Alberto de Lacerda
Assírio & Alvim
2010