quarta-feira, 8 de abril de 2015

«A velhice – ou a maturidade desce também sobre o mundo exterior. A rígida e transparente noite invernal, que desenha as silhuetas das casas num céu que espere a neve, tocava outrora o coração e abria um mundo de angústia heroica.

Com o tempo, não é necessário movermo-nos no mundo exterior para vivermos a angústia que ele provoca: basta um rápido aceno, saber que existe e existe em nós, e esperar um mundo inteiramente feito de vida interior, que adquiriu agora a novidade e a fecundidade da Natureza. A maturidade é também o seguinte: não procurar fora, mas deixar que fale, com o seu ritmo (que é o único que conta), a vida interior. Daqui em diante, o mundo exterior é material e pobre perante a inesperada e profunda autoridade das recordações. Também o nosso sangue e o nosso corpo amadureceram e ficaram impregnados de espiritualidade, de ritmo largo.

Renasce, como corolário, o antigo pensamento de que o génio é fecundidade ─ oitenta tragédias, vinte romances, trinta óperas, etc. porque o génio não é descobrir um tema exterior e dar-lhe um tratamento literário brilhante, mas conseguir finalmente possuir a nossa própria experiência, o nosso próprio corpo, as nossas próprias recordações, o nosso próprio ritmo ─  e exprimir, exprimir este ritmo, fora dos limites dos enredos, da matéria, na perene fecundidade de um pensamento que, por definição, não tem fundo.

A juventude não tem génio e não é fecunda.»


  
Cesare Pavese
o ofício de viver - diário (1935-1950)
trad. alfredo amorim
relógio d´água
2004



Judith Teixeira, finalmente!

Sinopse:

«Apesar de Fernando Pessoa ter declarado, em carta de 1924, que Judith Teixeira não tinha «lugar, abstrata e absolutamente falando», o facto é que conservou até à morte um exemplar da revista Europa por ela dirigida. Será então correto afirmar que as mulheres não tiveram qualquer lugar de protagonismo no momento de rutura e transgressão que foi o modernismo português? E, se o tiveram, porque é que foram esquecidas? Chegou a altura de reler Judith Teixeira sem preconceitos. Nascida tal como Pessoa em 1888, e contemporânea de Florbela Espanca, outra mulher a quem quiseram aplicar o rótulo de «poetisa», Judith Teixeira rompeu corajosamente com o padrão do silenciamento das mulheres no contexto do Portugal das années folles, para se tornar um sujeito ativo, que desvendou o corpo feminino sem pejo.
Esta nova edição traz a lume cerca de vinte poemas desconhecidos e uma conferência inédita, além de reunir as cinco obras de poesia e prosa que Judith Teixeira publicou em vida. No seu conjunto, o presente volume permite-nos situar devidamente esta escritora no lugar que lhe pertence por direito próprio, ou seja, em plena vanguarda modernista.»


Judith Teixeira (1888-1959) alcançou notoriedade em Março de 1923 no seguimento  da publicação da sua primeira coletânea de poesia, Decadência, quando foi alvo de uma polémica sobre a (i)moralidade da arte, a qual envolveu também António Botto e Raul Leal. Antes disso, Judith já havia publicado em vários jornais, sob o pseudónimo de Lena de Valois, e contribuído para a Contemporânea, conceituada revista modernista. Apesar do escândalo, publicou mais dois livros de poesia, Castelo de Sombras (1923) e Nua. Poemas de Bizâncio (1926), e duas novelas publicadas sob título de Satânia (1927). Caso altamente invulgar para uma mulher desse período, Judith foi diretora da revista  Europa em 1925 e escreveu uma palestra, intitulada De mim. Em que se explicam as minhas razões sobre a Vida, sobre a Estética, sobre a Moral  (1926), provavelmente o único manifesto artístico modernista de autoria feminina no início do século XX em Portugal. Morreu quase desconhecida e permaneceu injustamente expurgada da memória coletiva e da história literária até recentemente, seguramente por causa do subtexto lésbico presente em vários dos seus poemas.