quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Oração

                                                      Rembrandt, O filósofo em meditação

"O homem, orando de pé, contemplando o lugar remoto e infinitamente próximo onde imagina Deus, é como um candelabro, entendendo por candelabro o suporte e a vela acesa. Com efeito, no Livro do Esplendor (Zohar), ele é comparado a uma chama, pela correspondência do seu corpo com o combustível; da alma do sangue com a luz azulada e turva na parte inferior da chama, alma em hebraico se diz nephesh; da própria chama em ascese adente com o que, no mesmo hebraico, se designa por ruah, palavra para sopro ou espírito com sede no centro ígneo das emoções. Há, porém, à volta da chama, uma atmosfera luminosa imperceptível para quem não a procurar ver: aqui a correspondência no Zohar é com neshamah, a ponta suprema da alma e sua irradiação puríssima, a flor do intelecto." (António Telmo, Viagem a Granada, p. 32)

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A mensagem actualíssima de Léon Bloy - 5



"Um homem que opõe a Razão à Fé é tão estúpido quanto um cavaleiro que não dê de comer a seu cavalo. Ora, sabeis que esse é o nível mental atual, não só dos descrentes como da maioria dos católicos. Ficar-vos-ia reconhecido se me dissésseis como poderei fazer para não desprezar tudo isso."

"Julgo que nunca houve época tão desprovida de interesse. Desesperante uniformidade da baixeza e da porcaria, atestada pelas secreções do jornalismo."

"Chegamos a esse momento formidável e absolutamente estranho em que, Deus tendo sido expulso de toda a parte, nenhum homem saberá mais onde ir..."
"Já agora, o idiota é dono do mundo. É ele que é necessário, é ele que é procurado. Só ele é capaz de representar, de legislar, de presidir! A experiência está feita. Se há alguma coisa impossível é imaginar um homem, não digo superior, mas apenas dotado de uma inteligência rudimentar, podendo ser considerado digno de fazer leis ou de exercer uma função pública. O cretinismo é rigorosamente exigido."

"Dez mil manifestantes, bandeiras vermelhas e negras. Sindicalistas de um lado, agentes e soldados de outro. 250 feridos, ao que se diz. Seria necessário um novo Pentecostes para fazer compreender a esses pobres operários libertários, dominados e martirizados por alguns pândegos, quanto eles são imbecis!"

"Sabeis o que foi dito na Salette. O mundo moderno está entregue a Satanás, por decreto, de há um século, e a grande fortaleza, a Igreja, foi atingida. Pareceis esperar não sei que retorno dos povos a Deus, percebi isso em vosso livro. Não o espero, eu. O passado está bem para trás, bem abolido. Sem dúvida, é forçoso que Deus triunfe, no fim. Mas, depois de que terríveis trevas!"

"Outrora, havia a Glória que viva sem rumor e sem magnificência, e que, ainda que fosse a grande soberana, não vestia jamais outra púrpura senão a do seu próprio sangue, quando o derramava para se tornar imortal. Hoje que essa imortal está morta, a infame folgazona que a destronou, a Opinião pública, nada em esplendores, pois seu concubino preferido é o mais incontinente dos cegos rigos e se chama o Sucesso."

"É verdade que o mundo não é muito difícil de ficar espantado. É tão medíocre e tão baixo, esse apanágio de Satanás, que uma aparência de força ou de grandeza basta, comumente. Foi o que muitas vezes se viu nos nossos dias quando políticos ou escritores, capazes no máximo de aguilhoar carne ou de filar jantares, puderam se fazer admirar por multidões".

"Onde estão, hoje, as almas heróicas? Sei bem que o heroísmo pode ser encontrado, pelo menos em estado rudimentar, entre os nossos combatentes, mas o heroísmo integral, sem costura nem emenda, onde está ele? É o do cristão completo que tudo deu por amor de Deus antes de dar alguma coisa à pátria, e deve ser extremamente raro".

A mensagem actualíssima de Léon Bloy - 4

"Quantas almas realmente vivas [existem] nesse fervilhar de seres humanos? Uma por cem mil, talvez. Ou, por cem milhões. Não se sabe. Há seres superiores, homens de gênio mesmo, talvez, cuja alma não foi vivificada e que morrem sem ter vivido. Um coração simples dirá cada dia, chorando de angústia: "Em que pé estou com o Espírito Santo? Sou verdadeiramente um vivo ou um morto que se devia enterrar?" É terrificante pensar que se subsiste no meio de uma multidão de mortos que se acredita vivos e que o amigo, o companheiro, o irmão que se viu de manhã e que se vai tornar a ver à noite, só tem vida orgânica, uma aparência de vida, uma caricatura de existência. E que, na verdade, é apenas diferente daqueles que já se estão desfazendo nos túmulos. É intolerável, por exemplo, pensar que se nasceu de pai e mãe que não existiam. E que esse padre, presente no altar, talvez não seja muito diverso de um outro já falecido e que o Fármaco de imortalidade, o Pão que ele consagrou para vos transmitir a Vida eterna, ele o vai estender com mão de cadáver, proferindo com voz defunta as santas palavras da liturgia! Funcionam, no entanto, todos esses fantasmas, com uma perfeita regularidade. A missa daquele padre é tão válida quanto a de um santo. Certa, a absolvição que administra aos pecadores. A força de seu ministério sobrenatural perdura enquanto a morte não triunfou definitivamente dele. E assim sucede com todos os semi-trespassados que nos rodeiam e que somos forçados a chamar, por antecipação: mortos. Continua-se a agir e mesmo a pensar mecanicamente, com uma alma destituída de vida"

                                                                                                 LÉON BLOY

A mensagem actualíssima de Léon Bloy - 3

Se Deus existe...
Deus existe ou Deus não existe. Se se lhe concede a existência, é preciso concedê-la efetiva, supondo uma infinita continuidade da Criação, o que implica a onipotência absoluta no conhecido e no desconhecido, no visível e no invisível. Se o Ato criador se interrompesse, no mesmo instante o mais duro granito e todos os metais se reduziriam a poeira, e essa própria poeira não subsistiria. Não haveria mais nada. A natureza inteira se dissolveria no ininteligível vazio. Se esse postulado não for admitido, é-se forçosamente um ateu ou um imbecil, o que é, aliás, equivalente, do pondo de vista estético.

O verdadeiro bem aos outros

Falais em melhorar a condição dos que sofrem. Como podeis acreditar nessa possibilidade, se não tendes em vista senão o bem-estar material? E sois forçados a só ter isto em vista, posto que não tendes absolutamente nada a dar a suas almas. Ninguém fez tanto por eles, materialmente, quanto os homens de grande fé que a Igreja chama os Santos. Mas os santos sabiam que o corpo humano não é senão a aparência do homem e trabalhavam sobretudo por suas almas, as quais não morrem. Sabiam, também, que o Sofrimento é bom, sobrenaturalmente, para todos. E que o homem que não sofre ou não quer sofrer, é um filho deserdado do Filho de Deus que esposou a Dor, pois somente aquele que aceita sofrer, pode entrever o preço de sua alma.

O Ato único

Então Deus, que conhece a miséria de suas criaturas, confere misteriosamente a alguns que escolheu por testemunhos a suprema graça de um desprezo sem limites, no qual não subsiste nada mais senão Ele mesmo em suas Três Pessoas inefáveis e nos milagres de seus Santos. Quando o padre eleva o cálice para receber o Sangue do Cristo, pode-se imaginar o enorme silêncio de toda a terra que o adorador supõe cheia de pavor em presença do Ato indizível que torna semelhantes a nada todos os outros atos, logo assimiláveis a vãs gesticuçações em trevas. A mais hedionda e a mais cruel das injustiças, a opressão dos fracos, a perseguição dos cativos, o próprio sacrilégio e o consecutivo desencadeamento das luxúrias infernais, todas essas coisas, nesse momento, parecem não mais existir, não mais ter sentido em comparação com o Ato Único. O que subsiste é, somente, o apetite dos sofrimentos e a efusão das magníficas lágrimas do grande Amor, antegoso de beatitude para os alunos do Espírito Santo que estabeleceram sua morada no tabernáculo do Desprezo real por todas as aparências deste mundo.

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Deus vos quer santo. Não digo virtuoso, nem honrado, o que basta aos burgueses. Mas, SANTO. E, a isso saberá vos obrigar, nem que seja à custa de terríveis dores.

A mensagem actualíssima de Léon Bloy - 2

Simples observação. Ninguém, mesmo entre os melhores cristãos, parece procurar Deus, ou mesmo, pensar nele. Vai-se para a mesa como cães, e para a cama como porcos. Impossível conseguir a menor atenção quande se fala de Deus."
 
"Penso frequentemente na afirmação de Ana Catarina Emmerich: "Não há mais cristãos no verdadeiro sentido da palavra".
 
"Os amigos de Jesus vêem à sua volta os cristãos modernos e é assim que podem conceber o inferno".
"Simão o Cirenaico ajuda Jesus a carregar a sua Cruz. Os cristãos modernos põem suas cruzes nas costas de Jesus".
"Tive muito frequentemente a ocasião de falar da tolice de nossos católicos, prodígio enorme, demonstrativo, por si só, da divindade de uma religião capaz de resistir-lhe".
 
"Tens perfeitamente razão de dizer que esse indivíduo jamais poderá me compreender. É um católico que permaneceu protestante - conheço o caso."
 
"Preocupam-se muito os russos com a comemoração de um centenário de 1912. A esse respeito, Raoux me escreve e me fala o grande Exército morto de frio. Respondo-lhe que o grande exército sem vitórias dos nossos católicos modernos morrerá, este ano talvez, do frio que está nele mesmo..."
 
"Há duas causas para este ostracismo de meus escritos no mundo católico: a extraordinária ininteligência dos cristãos modernos e sua profunda aversão do Belo. Entre uma página escrita com esplendor e uma outra página exprimindo as mesmas idéias chãmente, a escolha deles não é nunca duvidosa: vão, por instinto, à mediocridade. Tivestes mil ocasiões de ver isso e o vereis cada vez mais, pois o nível baixa todos os dias."
 
"O que se vê por toda a parte, e cada vez mais, é, por parte dos cristãos, o ateísmo prático, pelo menos na maior parte deles."
 
"Perguntais se esta guerra não esclareceu os católicos a meu respeito, se não pôs o clero a meus pés, etc. Eis a minha resposta. Nada poderá mudar esses católicos de que falais. A guerra, longe de esclarecê-los, aumenta sua cegueira e, mais do que nunca, sou seu pesadelo, tendo cometido o imperdoável crime de levar a sério a lei divina, de ser um católico absoluto - o único entre todos os que falam ou escrevem. Isso nunca me será perdoado. O castigo é fácil. Proibição de comprar meus livros, de lê-los e de deles falar. Sabe-se que o autor é pobre. Que vitória se se pudesse matá-lo pela miséria! A conspiração do silêncio. É uma imensa honra para mim ser tratado exatamente como Nossa Senhora da Salette, a quem é recomendado não dar a menor atenção. O efeito do castigo é, naturalmente, a miséria, sobretudo nos dias de hoje..."
 
"Os católicos desonram o seu Deus, como jamais os judeus e os mais fanáticos anticristãos foram capazes de o desonrar"
                                                                             LÉON BLOY
                                   

A mensagem actualíssima de Léon Bloy - 1

"É o rebanho dos pequenos de Deus. "Quem quer que receba em meu nome um desses pequenos" disse Jesus, "é a mim mesmo que recebe". O que pensar daquele que os degola, que os mutila, ou que inflige às suas almas puras uma tristeza mais negra do que a morte? (...) A maldição de uma multidão de crianças, é um cataclisma, um prodígio de terror, uma cadeia de montanhas sombrias no céu, com uma cavalgada de raios e trovões em seus cimos. É o infinito dos gritos de todos os abismos, é um não sei o que de altamente poderoso que não perdoa e que extingue a esperança de qualquer perdão."

Léon Bloy In FARIA, Octávio. Léon Bloy.

Depois de ler este relato visceral do Léon Bloy, como não pensar na terrível situação que vivenciamos hoje em que milhares são os infantes que morrem por dia, por hora, por minutos... no mundo? A estes sequer é dado o direito de nascer e, novamente, pelo seu grito impedido eles clamam justiça Àquele que já havia dito: "É a Mim que o fazeis..." Que terrível, que terrível!



"Até quando, ó Senhor santo e verdadeiro,

tardarás a fazer justiça,

vingando nosso sangue

contra os habitantes da terra?"

(Ap 6,10)