terça-feira, 3 de janeiro de 2012

António Telmo* por Pedro Sinde



António Telmo (1927-2010). Em Estremoz, onde escolheu viver desde 1976, todos o conheciam por Professor Telmo. Os alunos que passaram por ele nunca se esqueceram das suas aulas. Assisti a muitos destes reencontros, enquanto passeávamos no largo de S. João (como insistia em chamar, à antiga, ao largo do Rossio), quando algum desses alunos se cruzava casualmente com ele, saudando-o carinhosamente e relembrando algum dos episódios invulgares que enchem a sua vida; como aquele, por exemplo, de ter desafiado para um “torneio de fisga” um aluno indisciplinado: “quem ganhar, manda na sala”, disse ao aluno. E o Professor ao mesmo tempo que ganhou o “torneio” conquistou o respeito do aluno. Tinha uma pontaria magnífica; por causa disso, em novo chamavam-lhe Guilherme Telmo.
Foi um jogador de bilhar e um caçador exímio; nos últimos anos, porém, sobre a caça, exclamava muitas vezes “como é que eu fui capaz?!…”. Agora, deleitava-se a contemplar nesse mesmo largo os pombos no seu voo circular, “para os fazer viver e já não para os matar”, como me disse numa carta.
Quem o visse no Águias d’Ouro estaria talvez longe de imaginar que escrevia um dos muitos livros que o tornariam famoso: a sua História Secreta de Portugal ou o Desembarque dos Maniqueus na Ilha de Camões, a Filosofia e Kabbalah, mais recentemente, a Viagem a Granada ou ainda as Congeminações de um Neopitagórico. O Águias não deixará seguramente de assinalar este facto.
Foi um dos melhores amigos de Agostinho da Silva, que o levou para Brasília com o fim de leccionar na Universidade nascente. António Telmo recordava saudoso esse tempo em que Agostinho da Silva, nos passeios que davam juntos, se punha a sonhar, contemplando um lugar no mato: “aqui ficará um monge cristão, ali um sufi e ali um monge zen”.
António Telmo é um dos expoentes da escola da filosofia portuguesa. Discípulo de Álvaro Ribeiro e José Marinho, imprimiu a este movimento uma originalidade magistral. A direcção do seu ensino ia no sentido de acentuar a ideia de que o pensamento deve fecundar e transformar a vida; a isso chamou, logo no seu primeiro livro Arte Poética, “filosofia operativa”. As tertúlias que orientou tinham sempre esta componente “operativa”, o pensamento tinha como corolário o aperfeiçoamento do comportamento ético, artístico, iniciático.
Outro ponto a destacar do seu ensino é o seu amor a Portugal. Reconhecendo a situação calamitosa que vive Portugal presentemente, nunca deixou, no entanto, de o amar e defender em todos os seus livros: estudou magnanimemente a sua arquitectura, a sua história, a literatura, a filosofia e até a língua.
Sempre procurou, como se pode ler numa nota biográfica que acompanha alguns dos seus livros, “estar de pé sobre a extensa planície, a toda a volta, com a sua sugestão de liberdade e de infinito.”
Morreu um homem livre.

Sem comentários:

Enviar um comentário