terça-feira, 18 de janeiro de 2011

RABI WOELFELE DE ZBORASCH

RABI Woelfele de Zborasch era um verdadeiro Tsaddik entre os Tsaddikim. Um só movimento da sua alma durante a oração era capaz de transportar montanhas. Ele era conhecido de toda a gente na Polónia. Os próprios cristãos não o ignoravam. Não havia senão um homem que não conhecia o Woelfele e era o próprio Rabi Woelfele. Não queria conhecer nada que não fosse o estudo sagrado e a oração, a oração feita em geral para os outros, raramente em seu benefício. Mesmo durante os seus curtos momentos de repouso, era ainda para a santa doutrina que dirigia os pensamentos. No entanto, acontecia-lhe por vezes sentir-se invadido por ideias profanas, quer dizer: tornava-se ele próprio objecto das suas meditações. Não podia explicar-se este milagre de pessoas que vinham de todos os cantos do mundo para se informarem da sua saúde, para lhe pedirem conselho em toda a espécie de assuntos e para obter a sua assistência pela oração. Porquê este respeito extraordinário que lhe testemunhavam? Chegava a pensar que tudo isto não podia ser mais do que o efeito dum profundo erro.
- Todas as crianças de Israel são igualmente kedoschim, santos, igualmente amados por Deus. Porquê então as suas atenções estão preferentemente voltadas para mim? Porque é que esta multidão aflui aqui nos dias do sabbat e de festa? O sabbat tem em toda a parte a mesma santidade e as festas também, mesmo se as celebrarmos num estábulo. Mas já que estas pessoas vêm procurar-me, importa que as receba com grandes honras, que partilhe com elas o pão que Deus nos deu para que o comamos em paz e em alegria com o nosso próximo. Aquele que se sente comprometido com os seus semelhantes é digno de viver. Todo o homem tem um valor aos olhos de Deus. Poderia ser por outra coisa já que ele foi criado à imagem do criador?
Assim meditava o Rabi de Zborasch.
Quando duas partes adversas vinham submeter-lhe um litígio, o Rabi Woelfele respondia, na sua modéstia:
- Quem sou eu para me permitir misturar-me nos assuntos de dois homens tão dignos como vós? Sabeis tão bem como eu que para os judeus a paz é o único vaso próprio para receber todas as bençãos.
Um dia, ouviu a mulher discutir com uma serva, porque esta, sem a prevenir, tinha arranjado emprego.
- Tu não te vais embora! gritou zangada a mulher do rabi.
- E eu digo-lhe que não ficarei em sua casa, respondeu num tom obstinado a serva. Vamos diante do juiz.
E como o rabi via que a sua mulher punha os melhores vestidos de sabbat e se preparava para ir ao tribunal, apressou-se a fazer outro tanto a fim de a acompanhar.
- Onde vais? perguntou a mulher espantada.
- a casa do juiz, querida, respondeu tranquilqmente o Rabi Woelfele.
- Mas este assunto não te diz respeito, não tenho necessidade da tua ajuda, sei muito bem fazer valer o meu direito.
- É verdade, querida, ouviste muito bem, mas não estou muito seguro que a serva se possa defender tão bem como tu.
- E isso que te importa? Tu não vais, suponho, tomar o seu partido?
- Porque não? respondeu o rabi surpreendido. Não diz no livro de Job: «Desprezei o direito do meu servo ou da minha serva, quando eles estavam em disputa comigo? Que devo fazer quando Deus se levanta? Que respondo quando ele castiga? O mesmo Deus não nos criou a todos?».
Eis aqui uma faceta do rabi Zborasch.
Era em pleno inverno. O frio era muito e um vento glacial fustigava os rostos. Chegou um mensageiro, enviado por um comerciante de uma aldeia vizinha para convidar o Rabi a vir assistir a um recém-nascido que no dia seguinte deveria ser recebido na aliança de Abraão. o Rabi Woelfele alegrou-se muito com esta notícia e, pela meia-noite, subiu para o seu carro e partiu a toda a pressa para saudar o novo filho do nosso santo patriarca e junto do berço montar a guarda de honra a quem a merecia. Chegado ao destino, o Rabi encontrou todos os judeus do sítio já reunidos num quarto bem aquecido e bem iluminado. A mesa estava magnificamente posta, e era com impaciência que aguardavam o venerado mestre. Mas o Rabi Woelfele vinha apenas sentar-se e aquecer-se um pouco porque depois ergueu-se e saiu. Ninguém estranhou: o Rabi iria certamente regressar dentro de alguns instantes. Mas os minutos e os quartos de hora escoaram-se; havia mais de uma hora que o rabi saíra e não regressara. Começaram então a ficar seriamente inquietos (...) Andaram de um lado para o outro, por entre as espessas trevas invocando o nome sagrado, quando chegando ao telheiro da casa ouviram passos. Aproximaram-se, procuraram na escuridão, e o rabi Woelfele respondeu tranquilamente. À luz de um fósoforo que o vento logo apagou, lobrigaram o rabi tremendo de frio e a barba coberta de flocos de neve.
- Que aconteceu, rabi? perguntou o comerciante. Não foste bem recebido em minha casa?
- Não brinques, respondeu o Rabi. Pelo contrário, o teu acolhimento penetrou no meu coração com um doce calor. Mas lembrei-me, de repente, de que deixara o meu cocheiro exposto ao frio e, para evitar, Deus o guarde, que ele ficasse doente, saí para o mandar para a cozinha a fim de que ele se aquecesse um pouco. Ainda não veio.
Dirigiram-se então à cozinha, onde encontraram o cocheiro profundamente adormecido junto do fogão (...) Nesse momento todos ficaram convictos de que o rabi Woelfele era o verdadeiro Tsaddik e valia mais do que o mundo inteiro. (...)
Um dia, um dos seus discípulos, levado pela curiosidade de ver um Tsaddik de grande reputação, pôs-se a caminho de Lublin, onde vivia um destes homens de Deus junto do qual se propunha passar o sabbat. Quando o Tsaddik se apercebeu, ralhou-lhe duramente:
- Vai-te embora, disse-lhe. Regressa a Zborasch. O menos inocente dos dias do teu mestre Rabi Woelfele é o dia de sabbat. Esse santo rabi não tem mais do que um pecado que comete todos os dias: mente!
- Como ousas dizer isso? gritou estupefacto o discípulo.
- É verdade, mente na sua oração diária: «Perdoai-me, ó Pai do Céu, porque pequei». Ora ele nada tem por que pedir perdão.

A. WEIL, Contos e lendas de Israel

Sem comentários:

Enviar um comentário